Camões: Embarca Engenho e Arte – Edição 24

Terça, 01 abril 2025

Camões: Embarca Engenho e Arte – Edição 24

2425 camoes24

“Camões: Embarca Engenho e Arte” – O poder corruptor do “vil interesse” do dinheiro

2425 camoes24 01Nas naus estar se deixa, vagaroso,
Até ver o que o tempo lhe descobre;
Que não se fia já do cobiçoso
Regedor, corrompido e pouco nobre.
Veja agora o juízo curioso
Quanto no rico, assi como no pobre,
Pode o vil interesse e sede imiga
Do dinheiro, que a tudo nos obriga.

[…] Este rende munidas fortalezas;
Faz tredoros e falsos os amigos;
Este a mais nobres faz fazer vilezas,
E entrega Capitães aos inimigos;
Este corrompe virginais purezas,
Sem temer de honra ou fama alguns perigos;
Este deprava às vezes as ciências,
Os juízos cegando e as consciências.

Este interpreta mais que sutilmente
Os textos; este faz e desfaz leis;
Este causa os perjúrios entre a gente
E mil vezes tiranos torna os Reis.
Até os que só a Deus omnipotente
Se dedicam, mil vezes ouvireis
Que corrompe este encantador, e ilude;
Mas não sem cor, contudo, de virtude!

Luís de Camões, “Os Lusíadas”, VIII, 96; 98-99.

Na parte final do canto VIII d’”Os Lusíadas”, a permanência da armada de Vasco da Gama em Calecute, na Índia, sofre um revés. Instigados por Baco, os locais revoltam-se contra os Portugueses e, neste contexto, aparece o poder do dinheiro.

O Catual, um alto funcionário público nestas paragens do Oriente, deixa o Capitão regressar às naus e partir em liberdade, mas a troco de um conjunto de mercadorias.

A propósito da narração do suborno do Catual e das suas exigências aos navegadores, o Poeta refere um dos males da sociedade sua contemporânea, orientada para o materialismo, fazendo estas reflexões amargas, de profunda crítica ao poder corruptor do “metal luzente e louro”, isto é, do dinheiro.

Explicando esta passagem, Amélia Pinto Pais escreve que “o ouro e o dinheiro têm, de facto, estranhos poderes, como o de levarem à rendição fortalezas bem munidas; levarem à traição os amigos; fazerem cometer vilezas aos mais nobres; entregar Capitães aos inimigos. O ouro chega a corromper as purezas virginais, a depravar as ciências, cegando os juízos e as consciências. Interpreta mais do que subtilmente os textos. Leva as pessoas ao falso testemunho e torna tiranos os reis. E parece que corrompe até aqueles que se dedicam a Deus; e sempre, sempre, sob capa de virtuoso…”.

O Poeta assume, assim, o seu papel humanista de intervenção, de forma pedagógica, denunciando o “vil interesse” e a sede insaciável do dinheiro, fonte de corrupção e de traições, tanto no rico como no pobre…

Em suma, a cobiça, a ambição e a tirania são honras vãs que não dão verdadeiro valor ao homem e muito menos à Pátria que, à época, nas palavras do narrador, estava metida “no gosto da cobiça e na rudeza / Duma austera, apagada e vil tristeza” (X, 145).

Os ideais que dão acesso ao heroísmo, à glória, à imortalidade, são outros.

Esta é a exortação do Poeta, no final d’”Os Lusíadas”, uma epopeia intemporal!

A Organização

Legenda da imagem: “O emprestador e a sua mulher”, Marinus van Reymerswaele – óleo no painel (Prado, Madrid, Spain / Bridgeman Images). Disponível em https://www.meisterdrucke.pt/, acedido em 28/03/25.

Fonte: Amélia Pinto Pais, “Os Lusíadas em Prosa”, Porto, Areal Editores, 1995, p. 63.

 


 

logos rodape 2425 v3

(C) 2012-2025, Agrupamento de Escolas de Ponte da Barca