A Cantiga é uma Arma – “Os Vampiros” (1963)
A Cantiga é uma Arma – “Os Vampiros” (1963)
Com o início do 2.º período letivo, retomamos o apontamento “A Cantiga é uma Arma”, assim avivando memórias de poemas, cantigas e histórias que marcaram o período do fim do Estado Novo e os primeiros tempos da nossa Democracia.
Na edição desta semana, a nossa atenção vai para "Os Vampiros", uma canção de José Afonso (1929-1987), originalmente gravada em 1963, no disco “Baladas de Coimbra”.
Juntamente com "Trova do Vento que Passa" (poema de Manuel Alegre, música de António Portugal e interpretação de Adriano Correia de Oliveira), constitui um marco fundamental da canção de intervenção e de resistência antifascista. É mesmo considerado um dos temas fundadores do canto político em Portugal, “assumido como instrumento de combate cultural e cívico em tempo de censura e um símbolo da resistência contra o fascismo. Estava lá tudo dito e, por isso, não podia ser dito.”
Numa edição especial de 2009 da revista Blitz, “Os Vampiros” foi escolhida como uma das melhores canções da década de 60.
Segundo Albano Viseu, no seu estudo A Simbologia das Palavras e a revolução silenciosa: os sentidos implícitos nas canções de Zeca Afonso (Chiado Editora, 2014), “José Afonso tentou comunicar valores e ideais, utopias e mensagens libertadoras, ansiou por um Portugal sem tabus, sem ter de calar o valor da liberdade, pelo que se tornou num vulto histórico, num modelo de afronta na luta contra o regime. As suas canções premeiam uma veia criadora, intensamente preocupada com causas humanas e sociais e são exemplo de ação e de luta constante, objetivando provocar a agitação e a mudança, contra o marasmo fomentado por um regime que necessitava de ser questionado e, por fim, substituído.”
Notável grito de Cidadania, a mensagem de Zeca Afonso em "Os Vampiros” permanece intemporal. Mas a coragem do chamado trovador da Liberdade teve um preço alto. O regime ditatorial não lhe perdoou, condenando-o à exclusão.
Em entrevista ao semanário “Labor.pt”, Arnaldo Trindade, fundador da editora Orfeu, recorda que, quando saiu a balada “Os Vampiros”, foi “proibidíssima. Depois disso, o José Afonso foi excluído do ensino, não tinha possibilidades de ter meios para viver e ninguém o quis gravar. Ninguém. Ele foi a todas as editoras”.
Desde o seu lançamento, em 1963, o tema conheceu múltiplas versões, entre elas a da banda de rock UHF, editada em 2014, por ocasião das comemoração dos 40 anos da Revolução dos Cravos.
Vamos, então, ouvir – e cantar – “Os Vampiros”, com José Afonso…
A Organização
A CANTIGA É UMA ARMA: “Liberdade”
A CANTIGA É UMA ARMA: “Liberdade”
Em plena quadra natalícia e quatro dias depois da celebração dos 75 anos da proclamação, pela Assembleia Geral das Nações Unidas, da “Declaração Universal dos Direitos Humanos” (10/12/1948), a edição desta semana de “A Cantiga é uma Arma” dedica a sua atenção a um tema clássico – “Liberdade”, de Sérgio Godinho.
Editada alguns meses depois da Revolução dos Cravos, esta canção de intervenção faz parte do disco “À Queima-Roupa”, tendo-se afirmado, rapidamente, como um dos temas mais conhecidos do cancioneiro revolucionário do pós “25 de Abril”.
Depois de mais de quatro décadas de ditadura, com a Revolução de Abril sentia-se a aurora esperada de um tempo novo, o país vivia “O dia inicial inteiro e limpo / Onde emergimos da noite e do silêncio / E livres habitamos a substância do tempo”, como escreveu Sophia de Mello Breyner Andresen.
Conquistado o sonho da Liberdade, impunha-se, então, a urgência política de passar à realidade. E, neste contexto, o refrão da canção torna-se emblemático, inspirando a mudança de mentalidades e a transformação social:
“Só há liberdade a sério quando houver
A paz, o pão,
Habitação,
saúde, educação
Só há liberdade a sério quando houver
Liberdade de mudar e decidir
quando pertencer ao povo o que o povo produzir.”
Eis o resumo de uma das grandes aspirações da Revolução, que nos convoca para um dos três famosos “D”, que constituíam os propósitos centrais no programa político do MFA: Democracia, Descolonização e… Desenvolvimento.
Um desenvolvimento traduzido, antes de mais, na garantia dos direitos fundamentais do ser humano, consagrados e protegidos numa sociedade democrática.
Quase cinco décadas depois, a mensagem de “Liberdade” – uma canção que é considerada como uma espécie de “proto rap” – continua atual, tantos são os desafios dos nossos dias, ao nível da paz, do pão, da habitação, da saúde, da educação.
Mais do que palavras de ordem, continuam necessidades prementes no mundo e também em Portugal, um país que está a caminho dos 50 anos do “25 de Abril”.
Vamos, então, ouvir – e cantar – “Liberdade”, com Sérgio Godinho…, um tema cujo refrão é um slogan inesquecível que o próprio autor descreve como “um grafiti posto em rock”.
A Organização
A CANTIGA É UMA ARMA: “PEDRA FILOSOFAL”
A CANTIGA É UMA ARMA: “PEDRA FILOSOFAL”
Na sexta-feira da semana passada, assinalámos o Dia Nacional da Cultura Científica. E foi escolhido o 24 de novembro porque foi nesse dia, em 1906, que nasceu Rómulo de Carvalho, professor de Física e Química, grande responsável pela promoção do ensino de ciência e da cultura científica em Portugal.
Acontece que, para além de homem da ciência e de professor, Rómulo de Carvalho foi também um grande poeta. E como poeta ficou conhecido pelo pseudónimo de António Gedeão.
Pois bem… Nesta edição oitava de “A Cantiga é uma Arma”, vamos dedicar a nossa atenção a uma dos poemas mais conhecidos de Gedeão. Chama-se “Pedra Filosofal” e faz parte da obra “Movimento Perpétuo”, publicada em 1956.
Mas, afinal, o que é que vem a ser a “pedra filosofal”?
Segundo a “Enciclopédia Significados”, “pedra filosofal é um objeto ou substância lendária com poderes incríveis, capaz de transformar qualquer metal em ouro.” Também poderia ser usada para criar o elixir da vida, “que tinha a propriedade de prolongar a vida da pessoa que o bebesse.”
Por isso é que a “pedra filosofal e os seus poderes estão relacionados com a transmutação e a vontade de criar que existe dentro de cada ser humano.”
Não admira, portanto, que o poema tenha despertado tanto interesse e, sobretudo, se tenha tornado muito popular, quando, em 1970, Manuel Freire, o musicou e interpretou.
Exaltando a força criadora do Sonho, que “é uma constante da vida” ao longo da história da Humanidade, o poema (e a canção…) lançam um fortíssimo desafio à ação, à intervenção, à capacidade da alma humana de imaginar, de antecipar, de modelar, de criar, de transformar:
(…) Eles não sabem, nem sonham,
que o sonho comanda a vida,
que sempre que um homem sonha
o mundo pula e avança
como bola colorida
entre as mãos de uma criança.”
Pelo contexto em que se vivia, em Portugal, no início dos anos 70 do século passado, a canção rapidamente se tornou num hino e numa bandeira da resistência contra a ditadura.
Dir-se-ia que estávamos perante um grito de cidadania, que apelava, simbolicamente, à busca da “Pedra Filosofal”, capaz de transformar o país num Portugal novo, um país de Liberdade, de Democracia.
Vamos, então, ouvir – e cantar – a “Pedra Filosofal”, um poema inspirador e intemporal de Gedeão, na voz de Manuel Freire…
A Organização
“A CANTIGA É UMA ARMA” – “Portugal Resiste”
“A CANTIGA É UMA ARMA” – “Portugal Resiste”
Na edição desta semana de “A Cantiga é uma Arma”, visitamos um cantor sem grande visibilidade pública nos tempos que correm, mas que é considerado um dos primeiros, ou mesmo o primeiro músico de intervenção.
Num artigo no jornal “Público” (10/09/2020), Nuno Pacheco não tem qualquer dúvida, considerando que “o canto de exílio português tem um pioneiro e o seu nome é Luís Cília”.
De facto, não é possível falar sobre exílio e canções de protesto sem mencionar Luís Cília, um compositor e intérprete nascido em Angola, mas que veio para Portugal em 1959, para prosseguir os seus estudos.
Cinco anos depois, em 1964, acabaria por se exilar em Paris, apenas regressando uma década mais tarde, a 30 de abril de 1974, no avião em que vieram também umas quatro dezenas de exilados políticos, entre outros, Álvaro Cunhal e José Mário Branco.
Neste período de 10 anos, realizou recitais junto das comunidades emigrantes dos “bidonvilles” parisienses e em quase todos os países da Europa, denunciando a guerra colonial e a falta de Liberdade no nosso país. Na altura, os seus discos entravam em Portugal, clandestinamente, e animavam os convívios da Resistência.
No ano em que Luís Cília chega a Paris, 1964, chega também à capital francesa Manuel Alegre. Numa entrevista a João Céu e Silva, publicada no “Diário de Notícias” (22/02/2018), Cília recorda que conheceu o poeta e resistente antifascista “num café do Quartier Latin” e que, de seguida, foram “para o quartinho onde eu vivia, num sétimo andar no Boulevard Sebastopol, onde ele ia dizendo os poemas e eu musicava.”
E assim nasce o seu primeiro disco, “Portugal-Angola: Chants de Lutte” (1964), uma gravação que em boa medida é facilitada pela amizade que, entretanto, havia travado com a cantora Collete Magny, que o encaminhou para a famosa editora Chant du Monde.
Trata-se de um disco que é uma afirmação da Liberdade e um protesto veemente contra a guerra colonial. A canção “Exílio”, cuja letra é da autoria de Manuel Alegre, fala por si:
Venho dizer-vos que não tenho medo,
A verdade é mais forte do que as algemas,
Venho dizer-vos que não há degredo
Quando se traz a alma cheia de poemas.
Pode ser uma ilha ou uma prisão,
Em qualquer lado eu estou presente,
Tomo o navio da canção
E vou direto ao coração de toda a gente.
No ano seguinte, em 1965, Luís Cília publica novo álbum, "Portugal Resiste". Com música simples, acompanhando a voz com apenas o som de uma guitarra tocada pelo próprio cantor, esta canção com o mesmo nome do disco tornar-se-ia um tema emblemático de combate contra a opressão, a repressão, a guerra colonial, a ditadura.
Vamos, então, ouvir – e cantar – “Portugal Resiste”, um poema de Manuel Alegre, musicado e interpretado por Luís Cília…
A Organização
48 anos do “25 de Novembro”: “Força, força, companheiro Vasco”
48 anos do “25 de Novembro”: “Força, força, companheiro Vasco”
A dois dias de se assinalar 48 anos do “25 de Novembro de 1975”, o apontamento “A Cantiga é uma Arma” recua no tempo e recorda o ambiente revolucionário que então se viveu em Portugal.
Falamos do Verão Quente de 75 e do PREC – Processo Revolucionário em Curso, um período durante o qual foi muito popular a canção desta semana, “Força, força, companheiro Vasco”, interpretada por Maria do Amparo e Carlos Alberto Moniz.
Eis o contexto…
A seguir ao “25 de Abril”, especialmente ao longo de 1975, Portugal regista grande agitação social, política e militar.
São tempos muito turbulentos, marcados por manifestações, saneamentos, ocupações de empresas e de explorações agrícolas, nacionalizações de diversos setores estratégicos, vários governos provisórios, por um cerco à Assembleia da República, que impediu, durante dois dias, os deputados de saírem do Parlamento, e até por confrontos militares.
O país vive uma radicalização política, com confrontos entre os que pretendiam prosseguir a Revolução com o MFA (depois da “intentona” do “11 de Março” de 1975 designado Conselho da Revolução), incluindo-se aqui os quatro governos provisórios liderados por Vasco Gonçalves (“gonçalvismo”), e os que entendiam que o caminho se devia fazer com os partidos políticos sufragados em eleições.
Toda esta tensão atinge o auge a 25 de novembro de 1975, já lá vão 48 anos. Setores da esquerda radical tentam um Golpe de Estado, que acaba por ser frustrado pelos militares que se encontravam com o moderado “Grupo dos Nove”, apoiados por um plano militar liderado por Ramalho Eanes.
Clarificada a situação, abre-se caminho para a realização de eleições democráticas que, a 25 de abril de 1976, dão maioria aos partidos moderados.
Ao longo de 1975, dir-se-ia que a Revolução se espalhou pelas ruas, pelas empresas, pelos campos.
É o chamado Verão Quente ou PREC, isto é, Processo Revolucionário em Curso…, durante o qual foi muito popular a canção desta semana, “Força, força, companheiro Vasco”, que exalta Vasco Gonçalves e as medidas que então havia tomado como primeiro-ministro de quatro governos provisórios.
A canção é o lado B do single “Daqui o Povo Não Arranca Pé!”, editado precisamente em 1975.
Vamos lá, então, recuar a 1975 e ouvir e cantar “Força, força, companheiro Vasco”, com Maria do Amparo e Carlos Alberto Moniz…
A Organização