Camões: Embarca Engenho e Arte – Edição 5
Camões: Embarca Engenho e Arte – Edição 5
Alma minha gentil, que te partiste
Alma minha gentil, que te partiste
tão cedo desta vida, descontente,
repousa lá no Céu eternamente,
e viva eu cá na terra sempre triste.
Se lá no assento etéreo, onde subiste,
memória desta vida se consente,
não te esqueças daquele amor ardente
que já nos olhos meus tão puro viste.
E se vires que pode merecer-te
alguma coisa a dor que me ficou
da mágoa, sem remédio, de perder-te,
roga a Deus, que teus anos encurtou,
que tão cedo de cá me leve a ver-te,
quão cedo de meus olhos te levou.
Luís de Camões, “Rimas”, org. Fernão Rodrigues Lobo Soropita, Lisboa, 1595; “Obras de Luís de Camões”, Porto, Lello & Irmão Editores, 1970, p. 9.
No manuscrito da “Década VIII”, atribuído a Diogo do Couto, lê-se: «Vindo de lá [da China] se foi perder na costa de Sião [Tailândia], onde se salvaram todos despidos e o Camões por dita escapou com as suas “Lusíadas”, como ele diz nelas, e ali se afogou ũa moça china muito fermosa com que vinha embarcado e muito obrigado, e em terra fez sonetos à sua morte em que entrou aquele que diz: “Alma minha gentil, que te partiste”…».
O poeta dirige o seu discurso à mulher amada, que, para sua tristeza, morreu jovem: “Alma minha gentil, que te partiste/ Tão cedo desta vida, descontente,”.
Ao longo do soneto, vai-lhe fazendo alguns pedidos, utilizando frases imperativas, tais como: “repousa lá no céu…”, “não te esqueças daquele amor ardente…” e “roga a Deus…”. Afirma também que está em sofrimento e aponta as razões desta tristeza, que se ligam, essencialmente, à ausência da amada, marcada pela distância entre o céu – local de morada dela: ”repousa lá no Céu” – e a terra, espaço de vida do poeta: “viva eu cá na terra”. Estas referências espaciais surgem associadas aos termos com valor deíctico “cá” e “lá”, que reforçam a relação de afastamento entre os dois amantes.
Assim, a solução para o sofrimento do sujeito poético seria a aproximação entre os dois e, por isso, ele pede-lhe que rogue a Deus para o levar rapidamente para junto dela: “Roga a Deus, que teus anos encurtou,/ Que tão cedo de cá me leve a ver-te,/ Quão cedo de meus olhos te levou.”
Aqui fica o convite para escutar o poema, interpretado por Simone de Oliveira, com música de Alfredo Marceneiro…
A Organização