Camões: Embarca Engenho e Arte – Edição 25

Terça, 22 abril 2025

Camões: Embarca Engenho e Arte – Edição 25

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“Camões: Embarca Engenho e Arte” – Os medos do Gigante Adamastor…

(…) Cum tom de voz nos fala, horrendo e grosso,
Que pareceu sair do mar profundo.
Arrepiam-se as carnes e o cabelo,
A mi e a todos, só de ouvi-lo e vê-lo!

E disse: – «Ó gente ousada, mais que quantas
No mundo cometeram grandes cousas,
Tu, que por guerras cruas, tais e tantas,
E por trabalhos vãos nunca repousas,
Pois os vedados términos quebrantas
E navegar meus longos mares ousas,
Que eu tanto tempo há já que guardo e tenho,
Nunca arados d'estranho ou próprio lenho:

(…) Ouve os danos de mi que apercebidos
Estão a teu sobejo atrevimento,
Por todo o largo mar e pola terra
Que inda hás de sojugar com dura guerra.

(…) Aqui espero tomar, se não me engano,
De quem me descobriu suma vingança;
E não se acabará só nisto o dano
De vossa pertinace confiança:
Antes, em vossas naus vereis, cada ano,
Se é verdade o que meu juízo alcança,
Naufrágios, perdições de toda sorte,
Que o menor mal de todos seja a morte!»

Luís de Camões, Os Lusíadas, V, 40-42; 44.

Ao longo do canto V d’”Os Lusíadas”, Vasco da Gama, em Melinde, conta – ou melhor, canta – ao rei local como foi a viagem, desde Belém, no Restelo, de onde a armada partira, a 8 de julho de 1497

Entre as ocorrências dignas de registo, sobressai o famoso episódio do Gigante Adamastor, que ocupa as estâncias 37-60.

Segundo o narrador, este monstro aterrador “de disforme e grandíssima estatura”, que dizia que aqueles mares lhe pertenciam e que quem se atrevesse a entrar neles seria destruído, apareceu-lhes junto ao Cabo das Tormentas, depois chamado Cabo da Boa Esperança.

João de Barros e Fernão Lopes de Castanheda dizem que a armada passou o Cabo a 20 de novembro, uma quarta-feira, “ao meio-dia, (…) com vento à popa”, surgindo, então, a aparição do Adamastor, notável criação camoniana que simboliza o terror do mundo desconhecido.

Face à coragem, à valentia, ao “sobejo atrevimento” dos Portugueses, o monstro anuncia-lhes “suma vingança”:

“(…) em vossas naus vereis, cada ano,
Se é verdade o que meu juízo alcança,
Naufrágios, perdições de toda sorte,
Que o menor mal de todos seja a morte!”

É a profecia ameaçadora da nossa futura História Trágico-Marítima…

Adamastor tem, no entanto, uma vulnerabilidade… Vasco da Gama põe-se de pé e pergunta-lhe: “Quem és tu?”. Chocado, o monstro, “dando um espantoso e grande brado”, conta, então, a sua triste história de amor e traição com uma deusa: Júpiter havia-o transformado num penhasco enorme – o “remoto Cabo” – por amar Thétis!

Interessante é ainda facto de este episódio ter ressonâncias autobiográficas e remeter para os tempos da juventude de Camões, quando esteve desterrado em Ceuta, onde perdeu o olho direito.

Segundo vários autores, através do Adamastor, o Poeta dá-nos “informações de que pertenceu à armada do estreito de Gibraltar”. Quando o monstro confidencia ao Gama “[ter sido] capitão do mar, por onde andava / A armada de Neptuno, que eu buscava” (V, 51), está “a dizer-lhe que servira na armada do estreito de Gibraltar, aquela que permanentemente vigiava ou buscava a dita armada de Neptuno, nome por que era conhecida a esquadra turca”.

“Na realidade – conclui Isabel Rio Novo, a quem estamos a citar –, os biógrafos e comentadores antigos põem Camões a servir nessa armada, estacionando em terra, nos intervalos das missões”.

Seja como for, para a posteridade fica o Adamastor, representante dos medos, mas, também, símbolo da capacidade para ultrapassar obstáculos, enaltecendo o herói.

Já no século XX, Fernando Pessoa, na obra “Mensagem”, recria a figura sob a forma do Mostrengo. E o Adamastor continua a inspirar artistas como, por exemplo, A Garota Não e Peculiar.

“Medo, que me corres no corpo, / Que me matas os sonhos, / Que me tentas calar”… Vamos ouvir a canção “Adamastor”: letra e música de João Nicolau Quintela, com interpretação de Peculiar.

Fonte: Isabel Rio Novo, “Fortuna, Caso, Tempo e Sorte – Biografia de Luís Vaz de Camões”, Lisboa, Contraponto, 2024, p. 182.

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