Comunidade (Luiz Pacheco)

Para compreender Comunidade, é preciso compreender o seu autor: Luiz Pacheco escreve o que lhe acontece. Com efeito, a obra escorre naturalmente da sua vivência; o texto é a consumação destas simplicidade e pureza, é profundamente genuíno, porque tem algo de autobiográfico.

A Comunidade é a sua família. Ele mesmo, Pacheco, a mulher, Irene, e os filhos, a Lina, o Luís José e o Paulo Eduardo. O autor sugere a imagem literária da cama-jangada para retratar a família, cercada de noite e de perigos, a partilhar uma única cama. É deste valor intrínseco da família unida, ao observar-se numa cama para cinco, que nasce a Comunidade, um retrato intemporal. A terra natal das crianças. 

A narrativa desenvolve-se, seguindo quatro vectores distintos, mas que transparecem a própria contradição de Pacheco: o da ode ao corpo, o da felicidade, apesar da miséria, o da família e do legado e o da crítica. 

Na mesma cama, os cinco corpos enlaçados confundem-se e aquecem-se e fogem do frio e da miséria, mas nota-se, aqui, uma afeição profunda e paterna, uma necessidade de calor humano e o impulso de proteger os filhos. O autor diviniza o corpo e o sexo, não só na dimensão do prazer carnal, mas como baluarte da harmonia do profano e do sagrado e, sobretudo, como acto gerador de vida – da vida dos seus filhos, gerados pelo seu corpo e pelo da Irene. 

Assim, enquadrada na ode do corpo, há uma profunda valorização da mulher de quem nascem os filhos – o riso destas criaturas é, para Pacheco, o verdadeiro significado da vida. E a revolta é tão maior quanto a sua consciência. 

Critica o comodismo, a cobardia, o medo, a luxúria, a frustração, mas as palavras mais ásperas reserva-as aos parasitas, aos chulos do próprio talento, que desperdiçam o seu tempo e o dos outros e que profanam a criação de todos: […] parasitas (os mais criminosos, estes) […]. Cadáveres adiados fedorentos, viciosos de manhas e muito mal mascarados. Uma caca a respirar.

Termina a obra com uma exortação, invocando a pureza da vida de um bebé, de uma rapariga com um filho no colo e dos bambinos em volta: SE SABEIS ESTAS COISAS, BEM-AVENTURADOS SEREIS, SE AS PRATICARDES.

Luís Sá – 12.º ano

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