A CANTIGA É UMA ARMA – “Cantar Alentejano”
A CANTIGA É UMA ARMA – “Cantar Alentejano”
A edição 16 de “A Cantiga é uma Arma” dedica a sua atenção a “Cantar Alentejano”, um tema de Zeca Afonso, que faz parte do álbum “Cantigas do Maio”, lançado no Natal de 1971.
Trata-se de uma canção que constitui uma sentida homenagem a Catarina Eufémia, uma jovem trabalhadora agrícola alentejana, natural de Baleizão (Beja), que, na sequência de uma greve de assalariadas rurais que reivindicavam melhores condições de trabalho, foi assassinada por um tenente da GNR, com três tiros quase à queima-roupa, pelas costas.
O assassinato aconteceu a 19 de maio de 1954. Catarina Eufémia tinha vinte e seis anos, era analfabeta, e deixou órfãos três filhos, um dos quais de oito meses.
As circunstâncias em que ocorreu a sua morte transformaram-na num símbolo da resistência à ditadura de Salazar, de tal modo que vários artistas prestaram-lhe homenagem com poemas e músicas.
É o caso de José Afonso, no álbum “Cantigas do Maio”, um trabalho inovador a vários níveis, gravado em outubro de 1971, nos Strawberry Studios, em França.
O disco foi proibido pela censura da Emissora Nacional, aquando do seu lançamento, sendo concedida uma exceção na “Rádio Renascença” à "Grândola, Vila Morena", canção que acabaria por ser uma das senhas passadas na rádio, na madrugada de 25 de Abril, avisando os revolucionários que as manobras podiam prosseguir em segurança…
Vamos, então, ouvir – e cantar – “Cantar Alentejano”, com Zeca Afonso…
A Organização
A CANTIGA É UMA ARMA – “Que força é essa?”
A CANTIGA É UMA ARMA – “Que força é essa?”
“A Cantiga é uma Arma” desta semana é dedicada a uma das primeiras músicas de Sérgio Godinho, com uma clara orientação de protesto contra as formas de repressão impostas ao proletariado.
Falamos da canção “Que força é essa?”, que faz parte do LP de estreia "Os Sobreviventes", gravado em finais de abril de 1971, nos arredores de Paris, mas que só seria publicado no ano seguinte, em setembro de 1972.
Tal aconteceu por estratégia comercial da editora, a “Sassetti”, para não fazer concorrência ao LP "Mudam-se os Tempos, Mudam-se as Vontades", de José Mário Branco, que foi a grande aposta da casa para o último trimestre de 1971, a mesma altura em que a “Orfeu”, de Arnaldo Trindade, também editou os álbuns "Cantigas do Maio", de José Afonso, e "Gente de Aqui e de Agora", de Adriano Correia de Oliveira.
É neste contexto de grande agitação que vem a público mais uma voz de contestação ao regime, com “Os Sobreviventes” e a canção “Que força é essa?”, em que se lança um grito cívico de consciencialização e de revolta face à exploração dos trabalhadores.
“É de crer que Sérgio Godinho se tenha inspirado na situação concreta de exploração dos emigrantes portugueses em França (…), mas os principais destinatários da mensagem eram os que viviam cá dentro, sob a vigência da ditadura, ainda mais mal pagos, com piores condições de trabalho e menos direitos laborais.”
Não admira, por isso, que o álbum tenha caído nas garras da censura, “ao ser interditado três dias após o lançamento, sendo sucessivamente autorizado e novamente proibido.”
O sucesso de “Os Sobreviventes” foi, no entanto, imparável, recebendo o Prémio da Imprensa, em 1972, e o Prémio Bordalo, entregue pela Casa da Imprensa, em 1973, como "Melhor Disco Português do Ano" na categoria “Música”, “pelo seu triplo aspeto de qualidade, significação e consciente e eficaz trabalho de equipa”.
Mais de cinco décadas depois, “Que força é essa?” continua um grito intemporal de consciencialização face às injustiças e de revolta contra a submissão que “manda obedecer” e calar:
«Vi-te a trabalhar o dia inteiro,
(…) muita força p'ra pouco dinheiro!
(…) Que força é essa, amigo,
que te põe de bem com outros
e de mal contigo?»
Vamos, então, ouvir – e cantar – “Que força é essa?”, com Sérgio Godinho…
A Organização
A CANTIGA É UMA ARMA – “Queixa das almas jovens censuradas”
A CANTIGA É UMA ARMA – “Queixa das almas jovens censuradas”
A edição desta semana de “A Cantiga é uma Arma” recua ao ano de 1971, para celebrar “Queixa das almas jovens censuradas”, uma canção de José Mário Branco, com letra de Natália Correia.
Trata-se de um tema que faz parte do álbum “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”, gravado em 1971, em França, durante os anos de exílio do cantautor, que é considerado um dos mais importantes da música portuguesa e da canção de intervenção.
Nas palavras de Nuno Galopim, «“Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades” eleva a canção em língua portuguesa a um espaço de primor estético mais desafiante do que até aí se conhecera».
No seu conjunto, o álbum é uma espécie de marcha repleta de simbologia, remetendo para um horizonte de futuro, para o que se desejava como inevitável: a mudança, política e social. Neste trabalho, destaca-se a canção “Queixa das almas jovens censuradas”, um poema de Natália Correia, cujo título sugere um lamento dos jovens a quem impedem de ser livres.
A utilização sistemática, ao longo do poema, da 1.ª pessoa do plural sublinha a natureza coletiva de quem se lamenta. Podemos afirmar que estamos perante o relato triste de toda uma geração que é obrigada a “ir à escola”, para receber uma educação destinada a produzir bonecos, “manequins” de “corda", sem alma, "vazios", sem ideias próprias, sem identidade, sem nada. Uma educação que procura fazer dos jovens cadáveres adiados, incapazes de espetar “os cornos no destino”.
A deformação levada a cabo pelos censores é bem visível na quinta estrofe:
“Penteiam-nos os crânios ermos
Com as cabeleiras dos avós
Para jamais nos parecermos
Connosco quando estamos sós.”
Graças à sua divulgação nas rádios, a canção teve uma forte receção em Portugal, contribuindo para o aprofundamento do compromisso político contra a censura e as dores de uma sociedade fechada.
Vamos, então, ouvir – e cantar – “Queixa das almas jovens censuradas”, um grito de cidadania de Natália Correia cantado por José Mário Branco…
A Organização
A CANTIGA É UMA ARMA – “Desfolhada”
A CANTIGA É UMA ARMA – “Desfolhada”
A caminho dos 50 anos do 25 de Abril, continuamos a recordar um poema, uma canção e histórias associadas, que nos remetem para o ambiente cultural e político dos últimos anos da ditadura do Estado Novo e para a aurora da Liberdade e da Democracia.
Na edição 14 de “A Cantiga é uma Arma”, recuamos a 1969 e a uma canção que agitou a sociedade cinzenta e fechada de então, ajudando a abalar convenções, a inquietar mentalidades, a mudar pontos de vista.
Com letra de Ary dos Santos e música de Nuno Nazareth Fernandes, “Desfolhada” é uma canção interpretada por Simone de Oliveira, que, em 1969, venceu a VI edição do Grande Prémio TV da Canção, atual Festival RTP da Canção.
Representou Portugal no Festival Eurovisão desse ano, em Madrid, conhecendo grande sucesso, a ponto de se tornar num dos grandes temas de sempre da música portuguesa.
Apesar de não ter sido a primeira escolha dos autores para defender a "Desfolhada" no festival, sendo mesmo convidada em cima da hora, Simone de Oliveira é considerada a alma do êxito da canção, graças à força da sua interpretação e à frontalidade e coragem com que, naquela época, em direto e para todo o país, cantou, energicamente, que “quem faz um filho fá-lo por gosto”.
Numa sociedade cinzenta e fechada, em que a ditadura e os censores ditavam leis, o poema de Ary dos Santos e a atitude arejada de Simone fizeram estalar a polémica a nível nacional. E, indiscutivelmente, a “Desfolhada” tornou-se numa música que “abalou o País do respeitinho” e das aparências e acabou por ajudar a despertar espíritos, a inquietar mentalidades, a abalar convenções, a mudar pontos de vista. Tudo isto num período em que determinados setores da sociedade acreditavam que a ditadura teria direito à sua primavera, com Marcelo Caetano.
Mesmo assim, houve necessidade de fazer concessões… Em entrevista a Miguel Carvalho, para a revista “Visão”, Nuno Nazareth Fernandes reconhece que “a letra era forte, uma pedrada no charco”, e recorda que tiveram de mexer numa passagem: «Onde se escrevia “Oh minha terra / minha aventura/ casca de nós / desamparada” mudou-se para casca de…noz. “Casca de nós era o País, nós enquanto povo, desamparados”, explica o autor da música.»
Com uma coreografia cuidada, em que a própria cor dos vestidos de Simone e das duas coralistas é simbolicamente explorada no festival, a canção tornou-se um símbolo emblemático de um tempo novo.
No regresso de Madrid, do Festival Eurovisão, Simone de Oliveira foi recebida na estação de comboio de Santa Apolónia, em Lisboa, num ambiente de apoteose, com uma multidão a aclamá-la euforicamente e a cantar a “Desfolhada”:
Oh minha terra
minha aventura
casca de noz
desamparada.
Oh minha terra
minha lonjura
por mim perdida
por mim achada.
Vamos, então, ouvir – e cantar – “Desfolhada”, com Simone de Oliveira…
A Organização
A CANTIGA É UMA ARMA – “Adeus, Guiné”
A CANTIGA É UMA ARMA – “Adeus, Guiné”
“A Cantiga é uma Arma” desta semana dedica a sua atenção a um dos discos/ temas mais controversos.
Trata-se da obra “Adeus, Guiné”, uma gravação de 1970 do “Conjunto Típico Armindo Campos”.
Composta num registo genuinamente simples e popular, a “canção tornou-se numa das mais ouvidas e cantadas nas rádios portuguesas, principalmente na Emissora Nacional, onde o disco foi transmitido até à exaustão”, e também nos ambientes militares, nomeadamente na Guiné, território que era palco da frente de guerra mais temida, com o exército português a travar uma luta brutal de guerrilha com o PAIGC (Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde), liderado por Amílcar Cabral.
Para além do ritmo musical, a canção destaca-se pelo tom comovente e profundamente nacionalista da sua letra, com uma mensagem de propaganda do Estado Novo, sob os auspícios de Marcelo Caetano, através da exaltação da Guerra Colonial e do dever de defesa da “pátria querida” por parte dos jovens soldados.
O refrão é bem elucidativo:
“Adeus, Guiné,
Tenho já dever cumprido,
Não estou arrependido
De tanto por ti lutar.
Adeus, Guiné,
Serás sempre Portugal,
Mas se crescer o teu mal
Volto para te salvar.”
No entanto, apesar de toda esta propaganda, no início da década de 70 vários setores da sociedade portuguesa mostravam desconforto em relação a esta mensagem, não conseguindo “esconder o seu descontentamento e revolta, perante a injustiça, os danos e os massacres que a Guerra proporcionava.”
E, quatro anos depois, o mal-estar à volta da Guerra Colonial acabaria por ser uma das motivações mais vincadas do Movimento dos Capitães, que estaria no centro da Revolução do 25 de Abril de 1974.
Vamos, então, ouvir “Adeus, Guiné”, uma interpretação do “Conjunto Típico Armindo Campos”.
A Organização