A CANTIGA É UMA ARMA – “Uns vão bem e outros mal”
A CANTIGA É UMA ARMA – “Uns vão bem e outros mal”
A pouco mais de um mês da passagem dos 50 anos do 25 de Abril, a edição desta semana de “A Cantiga é uma Arma” recupera uma canção de 1977.
Chama-se “Uns vão bem e outros mal” e foi escrita, composta e interpretada por Fausto, um dos grandes cantautores da música popular portuguesa.
Lançada em 1977, em pleno refluxo revolucionário, a canção faz parte do disco “Madrugada dos Trapeiros”, um título bem sugestivo e até provocatório.
Pouco anos depois da Revolução dos Cravos, o ideário de Abril é objeto de reflexão nesta cantiga, com particular destaque para um dos eixos prioritários da ação do Movimento das Formas Armadas – o “D”, de Desenvolvimento.
Num registo intemporal, Fausto fala, da “crise da habitação”, da emigração, fala “de velhas casas vazias”, de “tanta gente sem trabalho, não tem pão nem tem sardinha e nem tem onde morar” – “E assim se faz Portugal, uns vão bem e outros mal”.
Face a todas estas fragilidades e disfunções sociais, o grito cívico de cantautor deixa uma pergunta: “E como pode outro alguém, tendo interesses tão diferentes, governar trabalhadores, se aquele que vive bem, vivendo dos seus serventes, tem diferentes valores?”.
É por isso que, na roda da vida, o baile dos trabalhadores bate ao ritmo do tambor: “Não queremos cá opressores, se estivermos bem juntinhos, vai-se embora o mandador, vai-se embora o mandador.”
Pouco anos depois da Revolução dos Cravos, o sonho revolucionário de uma sociedade livre e democrática, que valoriza a justiça social e o direito de todos a bens essenciais, é, assim, questionado e objeto de síntese num verso emblemático, que se repete ao longo da cantiga: “E assim se faz Portugal, uns vão bem e outros mal”.
Vamos, então, ouvir – e cantar – este grito de cidadania de Fausto, em 1977: “Uns vão bem e outros mal”…
A Organização
A CANTIGA É UMA ARMA – “Somos Livres”
A CANTIGA É UMA ARMA – “Somos Livres”
Na ressaca do 25 de Abril, a atriz Ermelinda Duarte escreveu e interpretou a cantiga “Somos Livres”, na peça “Lisboa 72-74”, em exibição no Teatro Vasco Santana, na altura em funcionamento num edifício situado na Feira Popular.
Depois de a ouvir, Mário Martins, da editora “Valentim de Carvalho”, convidou-a para a editar em disco, e José Cid produziu o single.
Também conhecida como “Uma gaivota voava, voava”, a canção celebra a liberdade conquistada, tendo sido, pelo seu simbolismo, um dos temas mais populares a seguir à queda da ditadura do Estado Novo e ao fim da censura, tornando-se um dos maiores ícones dos anos que se seguiram ao 25 de Abril.
“Somos livres” ficou imortalizada como uma das canções da Revolução dos Cravos, continuando, ao longo dos anos, a ser cantada nas escolas e por toda a parte, tal a simplicidade e a beleza da sua mensagem:
“Uma gaivota voava, voava,
Asas de vento,
Coração de mar.
Como ela, somos livres,
Somos livres de voar.”
Para além de um hino à liberdade acabada de conquistar, a cantiga faz ainda referência ao fim do pesadelo da Guerra Colonial que atormentara uma geração de jovens, entre 1961 e 1974/75:
“Uma criança dizia, dizia
“quando for grande
Não vou combater”.
Como ela, somos livres,
Somos livres de dizer.”
“Somos livres” é também uma canção com o olhar virado para o futuro, sempre com a consciência de que a liberdade é uma conquista inacabada:
“Somos um povo que cerra fileiras,
Parte à conquista
Do pão e da paz.
Somos livres, somos livres,
Não voltaremos atrás.”
Nos 50 anos do 25 de Abril, vamos, então, ouvir – e cantar – “Somos livres”, com Ermelinda Duarte…
A Organização
A CANTIGA É UMA ARMA – “Avante, Camarada”
A CANTIGA É UMA ARMA – “Avante, Camarada”
Em 1967, Luís Cília, que se encontrava exilado em Paris, compôs “Avante, Camarada”, uma canção destinada a ser transmitida pela “Rádio Portugal Livre” (RPL), que era uma estação em português, criada em 1962, e que emitia em onda curta a partir de Bucareste, na Roménia, funcionando como antena do Partido Comunista Português, que, assim, fazia chegar a território nacional a sua voz, proibida pelo Estado Novo.
“Avante, camarada” foi incluída no disco "Canções Portuguesas", editado em Moscovo pela “Melodia”, sendo os temas interpretados por Luísa Basto, acompanhada pela orquestra “Ecran Azul".
Frequentemente transmitida pela “Rádio Portugal Livre”, a canção tornou-se muito conhecida em Portugal, sendo nas vésperas do 25 de Abril de 1974 um dos mais populares temas da resistência antifascista e uma espécie de segundo hino do Partido Comunista Português.
Segundo Rúben de Carvalho, “após a Revolução dos Cravos, Luísa Basto, regressada a Portugal, gravou nova versão para a editora “Sassetti”, com arranjos e direção de Pedro Osório, refletindo claramente a sonoridade das baladas que haviam celebrizado o programa televisivo "Zip Zip" e conheceriam grande expansão nos anos de 74, 75 e 76.”
A letra da canção “Avante, Camarada” fala, com grande entusiasmo, da resistência e da luta clandestina, da esperança dos que estão prisioneiros ou dos que estão sujeitos à opressão, da alegria que está para chegar.
É um hino de resistência ao fascismo e um hino de crença num futuro melhor, com a chegada do dia em que “o sol brilhará para todos nós!”:
"Ergue da noite, clandestino,
À luz do dia a felicidade
Que o novo sol vai nascendo
Em nossas vozes vai crescendo
Um novo hino à liberdade."
Vamos, então, ouvir – e cantar – “Avante, Camarada”, na sua versão original de 1967, que, entre outros aspetos, se caracteriza por não possuir coros…
A Organização
A CANTIGA É UMA ARMA – “Venceremos”
A CANTIGA É UMA ARMA – “Venceremos”
As canções mobilizam uma comunidade, porque a cantiga é uma arma, ajudando as pessoas a entusiasmar-se por causas e a acreditar que podem vir aí dias de esperança e de exaltação.
Foi assim antes do 25 de Abril e continuou a ser assim, nos tempos que se seguiram à Revolução dos Cravos, em que o fervor revolucionário saiu à rua.
É neste contexto que, esta semana, partilhamos a canção “Venceremos”, de Samuel, um tema que veio a público, em 1975, fazendo parte do álbum “De Pé Pela Revolução”, uma edição do próprio autor.
Trata-se da versão portuguesa de "Venceremos", hino de campanha presencial de Salvador Allende, no Chile, em 1970, a exemplo, aliás, do que acontecera com o tema “O Povo Unido jamais será vencido”, que Luís Cília editou em 1974.
Ambas as canções remetem para o ambiente político no Chile, antes do golpe de estado que, em 1973, depôs Salvador Allende.
Num tom glorioso e triunfante, canta-se a certeza de um novo tempo, ergue-se o grito da vitória em que “mil cadeias haverá que romper” e “a miséria saberemos vencer”:
“Em cada recanto da pátria
Já se ergue o clamor popular
Anunciando a nova alvorada
E o povo começa a cantar”.
Um ano depois da Revolução dos Cravos, é neste ambiente festivo de esperança na “nova alvorada” que se canta, em Portugal, seguros de que cobriremos estas terras de glória, “Todos juntos seremos a história / Que o povo irá construir”.
Vamos, então, recuar a 1975 e ouvir – e cantar – “Venceremos”, com Samuel…
A Organização
A CANTIGA É UMA ARMA – “Tourada”
A CANTIGA É UMA ARMA – “Tourada”
Na edição 17 de “A Cantiga é uma Arma”, falamos de “Tourada”, uma canção de Fernando Tordo, com letra de Ary dos Santos, que venceu o Grande Prémio TV da Canção 1973 e, por isso, representou Portugal no Festival Eurovisão da Canção 1973.
O tema teve um grande impacto, na medida em que a sua letra “foi claramente entendida em Portugal como uma metáfora/ alegoria em que se comparava a tourada ao decrépito regime ditatorial do Estado Novo”, sob a liderança de Marcelo Caetano.
Em termos globais, estamos perante uma forte crítica à sociedade portuguesa daquele tempo:
(…) "Entram velhas doidas e turistas
Entram excursões
Entram benefícios e cronistas
Entram aldrabões
Entram marialvas e coristas
Entram galifões de crista" (...).
“Na letra também se faz uma crítica ao snobismo e hipocrisia da sociedade”, às contradições existentes, “bem como aos lucros de alguns”:
(…) “Entram empresários moralistas
Entram frustrações
Entram antiquários e fadistas
E contradições
E entra muito dólar, muita gente
Que dá lucro aos milhões" (…).
A canção faz ainda referência irónica à chamada Primavera Marcelista, uma pretensa mudança efetuada no governo de Marcelo Caetano, e no ar fica uma inspiradora mensagem de esperança:
(…) “Com bandarilhas de esp'rança
Afugentamos a fera
Estamos na praça da Primavera
Nós vamos pegar o mundo
Pelos cornos da desgraça
E fazermos da tristeza graça” (…).
Estranhamente, a canção escapou à censura, à época chamada "exame prévio", que não conseguiu entender a crítica mordaz ao regime e ao Portugal de então: às suas hipocrisias e às suas contradições.
Mas se “Tourada” não foi censurada antes do festival, foi-o depois: vetada pelas rádios, acabaria por não se tornar num grande sucesso nesse ano de 1973.
A verdade, porém, é que, nas palavras do próprio Fernando Tordo, “Tourada” é uma canção que transpôs o limite da simples canção e passou “a entrar no âmbito de uma referência histórica do nosso país.”
Vamos, então, ouvir – e cantar – “Tourada”, com Fernando Tordo…
A Organização