Camões: Embarca Engenho e Arte – Edição 32
Camões: Embarca Engenho e Arte – Edição 32
“Camões: Embarca Engenho e Arte”: Erros meus, má fortuna, amor ardente
Erros meus, má fortuna, amor ardente
Em minha perdição se conjuraram;
Os erros e a fortuna sobejaram,
Que para mim bastava amor somente.
Tudo passei; mas tenho tão presente
A grande dor das cousas, que passaram,
Que as magoadas iras me ensinaram
A não querer já nunca ser contente.
Errei todo o discurso de meus anos;
Dei causa [a] que a Fortuna castigasse
As minhas mal fundadas esperanças.
De amor não vi senão breves enganos.
Oh! quem tanto pudesse, que fartasse
Este meu duro Génio de vinganças!
Luís Vaz de Camões, “Lírica Completa II”, prefácio e notas de Maria de Lurdes Saraiva, Lisboa, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1980, p. 164.
Num registo autobiográfico, o sujeito poético faz o balanço do seu percurso de vida, assinalando as causas da sua perdição: os erros que cometeu, o destino infeliz, que o perseguiu, e o amor intenso, que o desgraçou.
Segundo confessa, “Errei todo o discurso de meus anos”, assim justificando que a “Fortuna” tenha sido tão pouco generosa consigo. Mas, para que não restem dúvidas, garante que bastaria o amor, por si só, para a sua perdição. Uma perdição tão atroz e irremediável, que o impede de ter qualquer tipo de esperança, no presente…: “A não querer já nunca ser contente”.
Numa primeira leitura, apetece afirmar que estamos perante o tópico clássico do amor como origem da desventura pessoal. Acontece que este testemunho intenso sobre o amor, de que o sujeito poético só viu “breves enganos”, convoca-nos para uma abordagem mais alargada. E aqui encontramos uma dimensão nova, profundamente pessoal e sofrida.
De facto, “o conjunto de poemas de Camões que abordam o tema da morte física ou psicológica do amor é demasiado vasto para que os possamos considerar meros exercícios de estilo, imitação convencional de modelos consagrados ou encomendas de outrem. Petrarca e os poemas petrarquistas – continua Isabel Rio Novo – influenciaram-no, seguramente; todavia, enquanto a poesia do italiano transmite uma impressão de serenidade, a de Camões está perpassada de agitações, impulsos, impaciências, contradições, que não advêm do sentimento do amor em si, mas antes das circunstâncias que o rodeiam: desigualdades sociais, afastamento, ausência, saudade, ciúme, remorso”.
Quer dizer, neste soneto sobejamente conhecido parece estar todo o drama emocional, existencial do Poeta, resultante do amor impossível – porque desigual… – que o perseguiu ao longo da vida e que esteve na origem de mil e uma desventuras, desde a prisão ao desterro.
Este tom fortemente disfórico, de profundo extremismo no balanço da existência, remete-nos para um outro soneto, igualmente sombrio, em que fala do início da sua vida:
(…) O dia em que nasci moura e pereça, (…)
(…) Ó gente temerosa, não te espantes,
Que este dia deitou ao Mundo a vida
Mais desgraçada que jamais se viu!
Camões partiria no dia 10 de junho de 1580, já lá vão 445 anos. Morreu amargurado pela doença e pela miséria.
Morreu…, mas deixou-nos uma obra notável que vale uma literatura e que o afirmou como o símbolo maior da identidade nacional e da união do mundo da lusofonia.
É no dia da sua partida que celebramos quem somos. É a 10 de junho que comemoramos o Dia de Camões, de Portugal e das Comunidades Portuguesas.
Um bom dia para celebrar Camões, na voz de Amália Rodrigues! “Erros meus”, um tema do álbum “Fado Português”…
Fonte: Isabel Rio Novo, “Fortuna, Caso, Tempo e Sorte – Biografia de Luís Vaz de Camões”, Lisboa, Contraponto, 2024, pp. 133 e 586-587.
A Organização
Legenda da imagem: Cópia de Luís de Resende do retrato de Camões pintado por Fernão Gomes, ainda em vida do Poeta. O original perdeu-se.
Camões: Embarca Engenho e Arte – Edição 31
Camões: Embarca Engenho e Arte – Edição 31
“Camões: Embarca Engenho e Arte” – As lágrimas de Inês
(…) Passada esta tão próspera vitória,
Tornado Afonso à Lusitana Terra,
A se lograr da paz com tanta glória
Quanta soube ganhar na dura guerra,
O caso triste e dino da memória,
Que do sepulcro os homens desenterra,
Aconteceu da mísera e mesquinha
Que despois de ser morta foi Rainha.
(…) Estavas, linda Inês, posta em sossego,
De teus anos colhendo doce fruto,
Naquele engano da alma, ledo e cego,
Que a Fortuna não deixa durar muito,
Nos saudosos campos do Mondego,
De teus fermosos olhos nunca enxuto,
Aos montes ensinando e às ervinhas
O nome que no peito escrito tinhas.
(…) Vendo estas namoradas estranhezas,
O velho pai sesudo, que respeita
O murmurar do povo e a fantasia
Do filho, que casar-se não queria,
Tirar Inês ao mundo determina,
Por lhe tirar o filho que tem preso,
Crendo co sangue só da morte indina
Matar do firme amor o fogo aceso.
Luís de Camões, “Os Lusíadas”, III, 118, 120, 122-123.
A história do amor de Inês e Pedro é, sem dúvida, uma das mais comoventes e conhecidas da literatura portuguesa, inspirando o longo e belo episódio de Inês de Castro, no canto III d’”Os Lusíadas”.
Dois jovens, que se amam profunda e incondicionalmente, são vítimas de questões políticas, caindo numa tragédia em que o ódio, a vingança e a morte destroem a sua felicidade.
Face às recomendações dos conselheiros e à pressão do povo, D. Afonso IV, temendo que a relação de Inês com o príncipe D. Pedro, herdeiro do trono, pudesse acarretar perigo para o reino, resolve cortar o mal pela raiz: a bela fidalga galega é condenada à morte!
Quando Inês toma conhecimento desta decisão, vai ter com o rei, rodeada dos filhos, e suplica clemência, por se considerar inocente. Em desespero, implora ao monarca que comute a pena por um degredo.
Preocupa-a, acima de tudo, os filhos, “que tão queridos tinha e tão mimosos, / cuja orfandade como mãe temia” (III, 125), e, então, pede a D. Afonso IV: “A estas crianças tem respeito” (III, 127).
Tudo em vão! A execução de Inês de Castro aconteceu a 7 de janeiro de 1355, em Coimbra.
Anos depois, D. Pedro, já rei de Portugal, declarou que havia casado clandestinamente com Inês, uns tempos antes da sua morte. E foi mais longe… Promoveu o trasladação do seu corpo do mosteiro de Santa Clara de Coimbra para o mosteiro de Alcobaça. E, na estátua do túmulo de Inês, impôs-lhe a coroa.
Quando faleceu, foi sepultado junto da sua amada, a “mísera e mesquinha / Que despois de ser morta foi Rainha”. Os seus túmulos são duas verdadeiras obras-primas da escultura gótica em Portugal.
Neste episódio d’”Os Lusíadas”, Camões mostra Inês como o símbolo do protesto contra o autoritarismo do poder real e os mandamentos da Igreja, assumindo os riscos da liberdade, qual cordeiro angélico e inocente levado ao sacrifício, numa gesta que conduz à coroação do amor que assume a morte e, por isso, se projeta na eternidade.
O amor trágico de Inês e de Pedro, nomeadamente, a versão recriada por Camões, alimentou o imaginário popular, num misto de factos, lenda e mito, transformando-se numa história intemporal, que atraiu e inspirou, ao longo dos séculos, grande número de poetas, escritores e outros artistas de várias nacionalidades, da música ao bailado, da escultura à pintura e ao cinema.
Vamos ouvir a história de Pedro e Inês na voz de Maria de Vasconcelos. A canção, da sua autoria, chama-se “Sempre (D. Pedro e D. Inês)” e faz parte do álbum “As canções da Maria – Especial História de Portugal”.
A Organização
Camões: Embarca Engenho e Arte – Edição 29
Camões: Embarca Engenho e Arte – Edição 29
A Máquina do Mundo e Fernão de Magalhães
Eis aqui as novas partes do Oriente
Que vós outros agora ao mundo dais,
Abrindo a porta ao vasto mar patente,
Que com tão forte peito navegais.
Mas é também razão que, no Ponente,
Dum Lusitano um feito inda vejais,
Que, de seu Rei mostrando-se agravado,
Caminho há de fazer nunca cuidado.
[…] Mas cá onde mais se alarga, ali tereis
Parte também, co pau vermelho nota;
De Santa Cruz o nome lhe poreis;
Descobri-la-á a primeira vossa frota.
Ao longo desta costa, que tereis,
Irá buscando a parte mais remota
O Magalhães, no feito, com verdade,
Português, porém não na lealdade.
Desque passar a via mais que meia
Que ao Antártico Polo vai da Linha,
Dũa estatura quase giganteia
Homens verá, da terra ali vizinha;
E mais avante o Estreito que se arreia
Co nome dele agora, o qual caminha
Pera outro mar e terra que fica onde
Com suas frias asas o Austro a esconde.
Luís de Camões, “Os Lusíadas”, X, 138; 140-141.
No longo episódio da Ilha dos Amores, que representa cerca de vinte por cento d’”Os Lusíadas”, há vários momentos marcantes que reforçam o seu carácter simbólico de prémio “bem merecido” pelos “trabalhos tão longos” (IX, 88).
Depois do casamento entre as ninfas e os navegantes, com os nossos heróis a serem divinizados, isto é, elevados ao estatuto dos deuses, imortais – “esforço e arte / Divinos os fizeram, sendo humanos” (IX, 91) –, acontece um banquete, durante o qual uma “bela ninfa” canta os futuros feitos dos Portugueses.
Téthis conduz, então, Vasco da Gama ao cimo de um monte, onde lhe mostra a chamada “máquina do Mundo”, revelando-lhe, no orbe terrestre, os lugares onde os lusos hão de praticar grandes obras e o que será o Império Português.
Nesta visão, surge o grande feito da viagem de Fernão de Magalhães, o herói cujas origens estão em Paço Vedro de Magalhães, concelho de Ponte da Barca.
Português no feito, mas “de seu Rei mostrando-se agravado”, será ao serviço de Castela que Magalhães “caminho há de fazer nunca cuidado”.
E, em Puerto de San Julián, verá homens de uma “estatura quase gigantesca”, os nativos de pés enormes, a que o navegador chamou “Patagónios” ou “Patagões”, termo que estaria na origem da designação da região onde se encontravam, a Patagónia, bem lá no sul do continente americano.
Até que, “mais avante”, há de descobrir, ao longo de novembro de 1520, a passagem para o outro lado, através de um “Estreito que se arreia / Co nome dele agora”, o famoso “Canal de Todos-os-Santos”, agora dito “Estreito de Magalhães”. E, chegados ao “outro mar”, que estava calmo, “Pacífico” lhe chamou, nome que substituiria o de Mar do Sul, que Balboa lhe dera, quando o avistara, uns anos antes, no Panamá.
Estamos perante o auge da glorificação: “comovido / De espanto e desejo” (X, 79), Vasco da Gama vê o que só aos deuses é dado ver. É a glorificação simbólica do conhecimento, do saber proporcionado pelo sonho da descoberta.
Ao ser elevado acima das categorias do tempo e do espaço e ao ser proclamado senhor do “Saber, alto e profundo, / Que é sem princípio e meta limitada” (X, 80), o herói recebe a coroação máxima. Com esta iniciação ao conhecimento ou Sapiência Suprema do Universo, passa do mundo profano, vulgar, para um mundo sagrado.
O “bicho da terra tão pequeno” (I, 106) vence, afinal, as suas próprias limitações e vai além “do que prometia a força humana” (I, 1), num verdadeiro hino ao orgulho humanista do Renascimento.
Podemos, igualmente, aproximar a máquina do Mundo da temática amorosa. De facto, o Amor é a força capaz de corrigir o caos e de restabelecer a Harmonia e, por isso, guiado por Téthis e pela força do Amor para contemplar a “máquina do Mundo”, o “felice Gama” (X, 75), agora divinizado, ouve o convite da deusa:
“Faz-te mercê, barão, a Sapiência
Suprema de, cos olhos corporais,
Veres o que não pode a vã ciência
Dos errados e míseros mortais” (X, 76).
Cabe ao homem, por meio de seus esforços, por meio do Amor, impor a si e àquilo que está em seu redor uma visão ordenada da Vida…
A Organização
Camões: Embarca Engenho e Arte – Edição 30
Camões: Embarca Engenho e Arte – Edição 30
“Camões: Embarca Engenho e Arte” – “Sete anos de pastor Jacob servia”
Sete anos de pastor Jacob servia
Labão, pai de Raquel, serrana bela:
Mas não servia ao pai, servia a ela,
E a ela só por prémio pretendia.
Os dias, na esperança de um só dia,
Passava, contentando-se com vê-la:
Porém o pai, usando de cautela,
Em lugar de Raquel lhe dava a Lia.
Vendo o triste pastor que com enganos
Lhe fora assim negada a sua pastora,
Como se a não tivera merecida,
Começa de servir outros sete anos,
Dizendo: “Mais servira, senão fora
Para tão longo amor tão curta a vida”.
Luís de Camões, “Lírica Completa II”, prefácio e notas de Maria de Lurdes Saraiva, Lisboa, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1980, p. 168.
Partindo do episódio bíblico apresentado no capítulo 29 do livro “Génesis”, que tem Jacob como protagonista, este soneto acaba por esquecer elementos menos comovedores da fonte de inspiração e, com grande sensibilidade, valoriza um sentido original, ao centrar-se na exaltação da constância do amor e da fidelidade a toda a prova.
Jacob representa, de facto, uma personagem que ultrapassa todas as barreiras, a fim de merecer a pessoa que ama. Durante sete anos, “o triste pastor” serve Labão, na esperança de merecer Raquel como prémio desse trabalho, mas a sua esperança é enganada, pois o pai dá-lhe outra filha, chamada Lia.
Jacob não desiste e começa – ou recomeça – a servir Labão durante mais sete anos. As palavras finais do poema, pronunciadas emotivamente em estilo direto, manifestam, de uma forma magistral, o seu ânimo firme e decidido, o seu amor sólido e imutável:
“[…] Mais servira, senão fora
Para tão longo amor tão curta a vida”.
Num estilo simples e numa linguagem direta, o soneto afirma-se como uma autêntica narrativa da alma do povo. Citando Agostinho de Campos, dir-se-ia que “o moço minhoto, aldeão e analfabeto, que tenha pensado em emigrar para longe, com a esperança de voltar ao fim de anos e casar-se com a rapariga que ama, filha do lavrador mais rico da terrinha, chorará com certeza, se ouvir ler esses versos, porque os pode compreender e sentir de ponta a ponta”.
Esta simplicidade e fluidez narrativa terão, certamente, justificado a vasta receção que o poema teve, não só em Portugal, mas, sobretudo, em Espanha, a ponto de ser considerado um dos textos líricos mais célebres e imitados de Camões.
Carolina Michaëlis “estudou em especial as imitações que o poema originou em Espanha e, segundo afirma, o soneto, ainda antes da sua publicação na primeira impressão das “Rimas”, em 1595, foi espalhado em numerosos apógrafos pelos reinos de Espanha, tendo sido citado, traduzido e imitado por diversos autores”.
Teófilo Braga sustenta mesmo que “Sete anos de pastor Jacob servia” foi parafraseado pelo próprio Filipe II de Castela…
Sugerimos a audição do poema cantado por Amália Rodrigues. Faz parte do seu derradeiro álbum de originais, “Obsessão”, de 1990.
Fonte: Xosé Manuel Dasilva Fernández, “O soneto camoniano ‘Sete anos de pastor Jacob servia’ à luz do cânone editorial de Leodegário A. de Azevedo Filho”, em “O Marrare” – Revista da Pós-Graduação em Literatura Portuguesa. Disponível em http://www.omarrare.uerj.br/numero15/xosemanuel.html, acedido em 23/05/2025.
A Organização
Camões: Embarca Engenho e Arte – Edição 28
Camões: Embarca Engenho e Arte – Edição 28
Bem-vindos à Ilha dos Amores, morada dos heróis
Mas a Fama, trombeta de obras tais,
Lhe deu no Mundo nomes tão estranhos
De Deuses, Semideuses, Imortais,
Indígetes, Heróicos e de Magnos.
Por isso, ó vós que as famas estimais,
Se quiserdes no mundo ser tamanhos,
Despertai já do sono do ócio ignavo,
Que o ânimo, de livre, faz escravo.
E ponde na cobiça um freio duro,
E na ambição também, que indignamente
Tomais mil vezes, e no torpe e escuro
Vício da tirania infame e urgente;
Porque essas honras vãs, esse ouro puro,
Verdadeiro valor não dão à gente:
Milhor é merecê-los sem os ter,
Que possuí-los sem os merecer.
[…] E fareis claro o Rei que tanto amais,
Agora cos conselhos bem cuidados,
Agora co as espadas, que imortais
Vos farão, como os vossos já passados.
Impossibilidades não façais,
Que quem quis, sempre pôde; e numerados
Sereis entre os Heróis esclarecidos
E nesta «Ilha de Vénus» recebidos.
Luís de Camões, “Os Lusíadas”, IX, 92-93; 95.
Depois de várias dificuldades em Calecute, os Portugueses iniciam a viagem de regresso à Pátria. Estamos em finais de julho de 1498.
É então que Vénus decide dar um prémio “bem merecido” aos corajosos navegadores pelos “trabalhos tão longos” (IX, 88), “Por mares nunca de antes navegados” (I, 1). Fá-los aportar a uma ilha paradisíaca, uma “ínsula divina” (IX, 21), povoada de ninfas amorosas que lhes deleitam os sentidos. Numa atitude estudada de sedução, as divindades fingem assustar-se com a presença dos marinheiros, mas logo se rendem aos encantos do amor.
Esta ilha “alegre e deleitosa” (IX, 54) não existe na realidade, mas na imaginação, no sonho que dá sentido à vida. O sonho que permite atingir a plenitude da Beleza, da Harmonia, do Amor, da Realização.
A grandeza épica da viagem também se mede pela grandeza do prémio, e esse foi o da imortalidade, simbolicamente representada na união homens-ninfas, fazendo-se juras de “eterna companhia, / Em vida e morte, de honra e alegria” (IX, 84). Quer dizer, os Portugueses deixam de ser simples mortais, transcendem a condição humana e recebem os dotes de uma experiência divina – são heróis: “[…] esforço e arte / Divinos os fizeram, sendo humanos” (IX, 91).
É a energia criativa do Amor que conduz os Portugueses à imortalidade. Não um amor qualquer, mas o Amor desinteressado, o Amor à pátria, o Amor ao dever, a capacidade de suportar todas as dificuldades, todos os sacrifícios. É esse Amor que liberta da "lei da morte".
Na Ilha dos Amores, temos a glorificação do “peito ilustre lusitano”, a vitória do génio humano e ainda a embriaguez dos sentidos. A Ilha é também a manifestação da Beleza de um mundo ideal, onde todos os que merecem são compensados pelo seu esforço, um mundo onde, lado a lado, se conjuga o terreno e o divino, o carnal e o espiritual. Ela é o restabelecimento da Harmonia, de modo que a consagração e a transfiguração mítica dos heróis apontam para a recolocação do Amor como centro da Harmonia e do Mundo.
Este regresso ao paraíso perdido remete, naturalmente, para a questão da autodeterminação humana e do orgulho humanista. A deificação dos homens elevados ao estatuto de deuses é uma ideia adequada ao impulso do Renascimento, que assistiu a um importante avanço no domínio do planeta por parte do Homem.
Assumindo a sua missão humanista, o Poeta, de forma pedagógica, não perde ainda o ensejo de tecer considerações sobre a forma de alcançar a Fama, ao exaltar o perfil dos que podem ser “nesta ‘Ilha de Vénus’ recebidos”, reiterando a importância de valores como a justiça, a coragem, o amor à Pátria, a lealdade ao Rei:
“Por isso, ó vós que as famas estimais,
Se quiserdes no mundo ser tamanhos,
Despertai já do sono do ócio ignavo,
Que o ânimo, de livre, faz escravo.
E ponde na cobiça um freio duro,
E na ambição também, que indignamente
Tomais mil vezes, e no torpe e escuro
Vício da tirania infame e urgente;”
Tudo isto porque tais honrarias vãs não dão valor a ninguém: melhor é merecê-las sem as ter do que possuí-las sem as merecer…
A Organização